segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Eita, velhice excomunguenta!

Existe uma tendência quase natural entre blogueiros de uma mesma tribo, entendida como um grupo de amigos virtuais espalhados por uma região, um país, um continente, ou mesmo todo o planeta, que se comunicam de forma mais constante entre si em detrimento de outros amealhados em suas relações de “preferidos” e que, em determinado momento, são surpreendidos postando mensagens sobre um mesmo tema.

Disse tendência natural porque essa sintonia de pensamentos num curto espaço de tempo entre os membros de um mesmo grupo, escrevendo textos sobre um tema aparentemente único, ocasiona uma explosão de idéias diferentes textualmente, porque o tema é analisado sob diferentes perspectivas e, em relação a ele, cada um expõe seu ponto de vista pessoal, fruto de seus conhecimentos, da sua experiência, das suas expectativas, da sua própria situação do momento.

É o que está ocorrendo atualmente no Site Oficial de Resende, do qual sou colaborador, e onde recentemente foram postadas duas mensagens sobre o tema Velhice, ambas realizadas por Nice Pinheiro, jornalista, amiga e colega colaboradora do mesmo site.

Na primeira mensagem, ela reproduz texto de Gisela Rao, publicitária, jornalista e escritora, que nas palavras da sua crônica “Arte de envelhecer, o caramba!”, nos expõe, num tom quase coloquial, na solidão de uma noite em seu apartamento, os seus mais íntimos pensamentos sobre a sua idade e a uma velhice sobre a qual ela insiste em falar, estando, no entanto, jovem ainda, segundo as minhas contas. Recorda-se da descoberta dos primeiros fios de cabelo branco em seu corpo e explica “...porque quando começamos a achar que estamos ficando velhos temos mais medo ainda da escuridão. Não a escuridão com “e” minúsculo, mas a com “E” maiúsculo, grande e escancarado”.

Já a segunda crônica sai das mãos da própria Nice Pinheiro e ela a intitula de “Arte de envelhecer - Ou simplesmente amar a vida!”.

Também fala dos primeiros cabelos brancos, que ela adorou, e, em continuação, de todos os cabelos brancos, que ela continua adorando, fazendo questão de extravasar toda a sua alegria e vontade de viver e confessando que “...envelhecer está sendo maravilhoso!”, mote que praticamente domina a sua visão para o próprio futuro e que nos é mostrada na sua crônica. Mantém-se com os pés firmes e é capaz de topar uma contenda porque o que “caracteriza uma pessoa mentalmente jovem... é a alegria de viver, a capacidade de sonhar e realizar, a insistência em ser feliz e uma certa rebeldia contra valores e conceitos impostos pela sociedade e pela mídia”. Mas também não deixa de estar ciente de que o “corpo envelhece, não tem jeito. O cérebro começa a ficar mais lento e podem surgir algumas complicações”.

Então, como que não querendo nada, atropelado que fora pelas duas crônicas acima nas minhas ruminações sobre a minha excomunguenta de velhice e do alto dos meus 63 anos (Farei 64 no dia 4 de julho próximo, dia da Independência dos EUA. Fácil de guardar na memória, não? Eita, ferro!), lembrei-me de uma crônica sobre a velhice que me atingiu como um tiro no coração - parodiando o Zezé de Camargo - quando a li pela primeira vez e que até hoje permaneceu martelando na minha cabeça sempre que também olhava e olho para o monte de cabelos brancos da minha outrora cabeleira castanha de fios ondulados. E como o assunto ainda estava quente no site Oficial de Resende, resolvi publicá-la neste meu espaço, após gentilmente autorizado pela sua autora, uma das que fazem parte da minha honrada tribo e que foi uma das primeiras a me dar da sua água nas “Fontes de onde bebo”, expressão que utilizo para denominar os meus preferidos na web e que se encontram na homepage do meu blog.

Sua crônica marcou-me pela descrição da realidade crua, verdadeira e inquestionável sobre tudo o que se refere à velhice, sob um ângulo até então nunca analisado por mim e porque me mostrou que o quê é lamentável não é ficar velho, mas sim, perder a juventude!

Não importa quando a juventude cessará. Acontece, queiramos ou não, que ela poderá findar antes da velhice chegar. Se não for assim, a velhice poderá se constituir numa fase de enormes dificuldades, desalento, tristeza e amargura.

Aparentemente confrontando-se com as duas crônicas anteriores, esta também converge para pontos em comum com aquelas, quando mostra o ânimo da sua autora em se agarrar à vida, enquanto jovem, semelhante ao pensamento da Gisela Rao que espera que no dia seguinte "tudo parecerá melhor quando acordar e comer o seu iogurte de morango, zero por cento de gordura, com três amêndoas cravadas. Anti-oxidantes".

Também de forma paralela, navega com suas palavras como nas aspirações da Nice Pinheiro de "querer andar de moto com seus netos, apresentar a eles a bossa-nova, o chorinho, o jazz, o blues. Querer que seus netos conheçam Led Zepellim, Rolling Stones, Beatles, The Doors. E Fred Astaire, Gene Kelly, Ginger Rogers, Judy Garland".

É pra ler e ficar refletindo enquanto a juventude que possuímos o permitir, pois quando a velhice, mesmo, chegar, em algum ponto sem volta, nem da nossa juventude nos lembraremos mais.

Então, à crônica da minha amiga Divina de Jesus Scarpim.

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Desmistificando a Velhice

- Por Divina de Jesus Scarpim

Sou extremamente emputecida com essa mania que as pessoas têm de glorificar a velhice, é como se houvesse uma obrigação de achar que é algo bom, que tem alguma coisa de bonito na pele enrugada, nos cabelos brancos e na saúde frágil. Esse emputecimento não é nada novo, já me sentia assim aos 20, já ouvi muitas colegas de escola afirmarem que tinham o "sonho" de ficarem bem velhinhas e terem muitos netos. Sempre achei esse sonho muito do besta!

Não, não descobri a fonte da juventude. Só descobri, e faz bastante tempo, que a velhice é algo terrível, muito pior do que a pior das doenças, e que as pessoas inventaram uma historinha muito da fraquinha para tentar convencer e se convencer de que tem algo de bom nisso. As ditas "vantagens" são sempre aquelas coisas que existiam no adulto e que alguns demoram um pouco mais para perder, ou seja, o que se diz de bom da velhice é o que a velhice ainda não levou.

Os exemplos de velhos maravilhosos, e todos têm pelo menos um, são pessoas que foram maravilhosas quando adultas e que, durante algum tempo, conseguiram manter algumas dessas características. Geralmente as pessoas desses exemplos ou acabaram por perder essas características tão notáveis, ou morreram antes da deteriorização total.

E o tão propagado consolo de que "é natural" também me deixa pasma! Sei que a deterioração física demora mais ou menos tempo dependendo da pessoa, mas sei que ela só não acontece para quem morre antes e não acho isso justo. E daí que é inevitável? E daí que é o processo natural? E daí que não posso fazer nada além de escolher um dos dois caminhos? Só porque é natural tenho que achar lindo?

É ruim, é triste, é feio e não vejo por que tenho que fazer de conta que é tudo bonitinho. Não preciso achar que é bom só porque não posso evitar! Já que a única opção também não me atrai, então vou ficar mais e mais velha, até estar um caco e morrer, mas não vou fazer isso mentindo! Se tem que fazer eu faço, e da melhor maneira possível. Mas sob protesto! Sempre fui rebelde e não será depois de velha que vou deixar de ser!

Todos nós já vimos essa cena e cenas similares diversas vezes: Uma família chega a um restaurante. São duas crianças, dois adultos e uma senhora idosa com uma bengala e muita dificuldade de locomoção. A mulher jovem tem que ajudar a senhora idosa a entrar no restaurante, a chegar até a mesa, a sentar, a ler o cardápio... Eles passam algum tempo ali e toda a atenção que dão para a senhora é estarem periodicamente verificando se ela precisa de ajuda para alguma coisa, ela precisa de ajuda para tudo.

Eu me pergunto: Que tipo de vida terrível, cheia de maldades e das piores ações que um ser humano pode cometer, poderia com alguma justiça tornar justificável que uma pessoa receba da vida um castigo tão grande? Concluo que muito, muito poucas, e fico com raiva, uma tremenda raiva de saber que por melhor que a gente viva todos estamos sujeitos a esse horror! E juro! não entendo como é que alguém pode achar isso bom!

Dizem que vendo dessa forma não mentirosa eu vou sofrer. Pensar em geral equivale a sofrer e já estou meio acostumada com isso. Mesmo que quisesse não conseguiria ser diferente. E, respeitados ou não, os velhos são seres que estão se deteriorando em ritmo gradual e irreversível, isso é horrível e tudo o que dizem que existe de bom na velhice das duas uma: ou é algo que seria melhor ainda antes da velhice, ou é alguma coisa da fase adulta que AINDA não foi roubada pela velhice.

Às vezes acho que o que leva a isso é apenas o medo de assumir que nosso último destino é um horror sem comparação e também a necessidade de fazer de conta que uma coisa ruim é boa para poder suportar a vida e não cometer suicídio. Não acho que exista alguém que não tenha medo da velhice.

Todos falam da "velhice com qualidade", de se cuidar para ter uma "boa velhice", de manter a alegria e o pique para ser um "velho de bem com a vida"... Pois para mim esses falsos conceitos são sintomas de medo. Por terem muito medo da velhice, quando falam da própria, todos exaltam justamente aquilo que não é velhice. Só acreditaria que tem algo de bonito na velhice se alguém pudesse me mostrar que reumatismo é um charme, que descontrole do corpo é a última moda, que usar fraudão não tem nada de ruim, que a perda da memória faz um bem danado para o intelecto, que usar bengala ou andador é tão lindo quanto usar rimel e batom.

Mas ninguém diz: "Ai que lindo um corpinho todo cheio de artrite e reumatismo!", "Olha que gracinha esse andador!", "Puxa gente que legal, ganhei uma ruga novinha!", "Ah, que felicidade, meu colesterol está lá no alto!", "Não consigo mais me levantar sozinho da cadeira, não é bacana?", "Viram meu extrato bancário? Gastei todo meu dinheiro com remédios, tô tão feliz!"

Pois é, embora vejamos e saibamos que isso acontece com as pessoas o tempo todo, negamos até o fim que acontecerá com a gente. Se isso não é medo... Já vi uma pessoa afirmando que um familiar morreu de Alzheimer mas foi feliz até o fim e me pergunto: Quem tem essa doença, tão comum na chamada terceira idade, pode ser feliz? Talvez sim porque pelo que sei a pessoa vai perdendo a consciência totalmente. Pensar que perda total de memória, consciência, capacidade de movimento e de decisão podem ser associadas à felicidade é um caminho... Mas, como EU posso ser feliz se deixei de ser EU ?????

Amadurecimento, conhecimento, experiência... isso tudo é balela, só serve quando você ainda tem alguma coisa de adulto que a velhice não levou. Amadurecida é uma pessoa adulta e responsável. Velhice equivale mais à podridão. E quando falo isso não tenho nenhuma intenção de ofender os velhos, estou pensando em uma fruta. Nosso corpo começa a deteriorar por dentro e por fora da mesma forma que a fruta começa a apodrecer. É um processo. Conhecimento é algo que você, se adquirir ao longo da vida, vai ter bastante na fase adulta, mas é também algo que vai ser levado pela velhice quando sua mente começar a falhar. Experiência é algo que, em geral, só serve pra você mesmo e muitas vezes nem pra você serve mais, menos ainda na velhice quando você não pode usá-la para nada ou quando você esquecer que a teve.

Um exemplo bem bobo: Um casal constrói uma casa. Levam anos de trabalho, esforço, dedicação, sonhos. Uma experiência que, teoricamente, poderia servir para um filho. Pois bem, o filho cresce e compra um apartamento, nem ele nem a esposa têm a mínima intenção de construir uma casa. O casal, levado pelo destino, tem que mudar de estado e vender a casa que custou tanto e também compra um apartamento sem nenhuma intenção de construir qualquer casa no novo endereço. De que valeu toda essa experiência???

Construir a casa adiantou, é claro, afinal foi com a venda dela que compraram o apartamento. Mas a experiência adquirida com essa construção, tudo que aprenderam e que passaram com projeto, pedreiros, material, acabamento, etc. Tudo isso não serve para nada porque não vão construir outra, não vão corrigir os erros da primeira na próxima. Maturidade. De que serve a maturidade se quando você é maduro o suficiente para saber uma coisa, não tem energia ou futuro suficiente para realizá-la?

Tudo isso é besteira? Pode até ser, mas tudo que falam para convencer os velhinhos de que eles estão na "melhor idade" é MENTIRA! Muitos argumentam que você seguramente terá uma velhice ótima se “plantar” isso na juventude. Não é verdade, nem sempre se planta o que colheu. Tem muito filho da puta por aí que deveria estar vivendo um inferno e está numa boa enquanto pessoas excelentes amargam solidão e falta de tudo. Essa conversa de que cada um colhe o que plantou é outra mentira da grossa.

Se acontece de só na velhice alguém poder fazer alguma coisa que não pôde fazer na juventude, como uma aventuresca e linda viagem, isso não é em absoluto prova de vantagem da velhice, comprova apenas uma desvantagem que aquela pessoa teve na idade adulta. Certamente se tivesse conseguido fazer isso na fase adulta teria aproveitado ainda mais, sem precisar da humilhação fantasiada de exemplo de ser visto como um "animal raro" e tratado com carinho, condescendência e, certamente, preocupação de muitos que ficaram pensando sem dizer nada: "Será que a vovozinha vai mesmo agüentar ou vai estragar o passeio de todo mundo tendo um treco bem aqui?".

A beleza e a pele lisa, a saúde e a possibilidade de fazer planos para o futuro são muitíssimo mais importantes do que a experiência e do que qualquer conhecimento adquirido, principalmente porque na velhice esses conhecimentos costumam ganhar um cimento e não evoluir! Não sou chegada a essa coisa de tentar me enganar, e fico puta da vida por ver que praticamente todo mundo tem esse papo pronto de que a velhice é linda, a experiência vale muito mais do que a juventude, a velhice está apenas no espírito. Quando alguém vem com esse papo pra cima de mim fico achando que estão me tomando por uma imbecil com cérebro de ameba! E o que me deixa pasma é que tem gente que parece acreditar mesmo nessa baboseira toda!

Tudo que tem de bom na vida a velhice leva, inclusive a tão propagada experiência, a tão louvada maturidade! Você chega aos “enta” e vai perdendo gradativamente tudo, absolutamente tudo, inclusive você mesmo. Quando toda a sua experiência e maturidade se tornam vagos clarões em um cérebro quase sem memória, quando toda atividade física se torna um obstáculo praticamente ou totalmente intransponível, todo mundo, TODO MUNDO MESMO, acha que você tem mais é que morrer, que já está na hora de você se posicionar na mesa do velório e virar uma figura meio borrada nas fotos antigas. Se você, apesar das opiniões contrárias, insistir em ficar mais um ano ou dois, você vai provavelmente causar imensos transtornos para os outros, tantos que em alguns casos as pessoas acabam precisando de terapia.

Quase tudo que se relaciona como coisas boas da velhice são na verdade as características da juventude que alguns velhos ainda não perderam. Não há absolutamente nada de bom na velhice. Mesmo as histórias para contar que tantos citam não são características agradáveis da velhice, muito pelo contrário, são em geral muito deprimentes: De que adianta ter muitas histórias para contar se não tem quem as queira ouvir? No geral ninguém presta atenção em "conversa de velho" e quando o faz é por mera educação, para parecer "bonzinho" diante do grupo ou então para dizer depois coisas do tipo: "Olha só como as coisas eram bizarras no tempo da minha avó!"

Chegar à velhice significa chegar a um ponto em que você recebe um castigo pior do que toda e qualquer doença. Significa que, tendo pecado (se é que existe esse papo besta de pecado) ou não, tendo vivido uma vida útil e ética ou não, não importa, você será castigado da pior maneira possível. É pior do que a pior das doenças porque mesmo a pior das doenças ainda reserva ao portador e aos seus entes queridos um fio ao menos de esperança. Na velhice não há esperança!

Quanto à cabeça, de que adianta a cabeça querer e os sonhos se manterem intactos? O corpo obedece cada vez menos até chegar o momento em que não obedece mais nada. A velhice rouba absolutamente tudo que você teve ou que possa ter tido, ela não permite o menor sonho, o menor desejo, a menor esperança... A não ser na mentira! Não percebo, mas não percebo mesmo, onde está a beleza disso tudo.

É como a história do livre arbítrio sem livre arbítrio nenhum: Ou eu fico velha, cada vez mais velha até não ter mais nada de mim e morrer, ou eu me mato, morro jovem e evito todos os transtornos da velhice. Que merda de livre arbítrio! E a terceira opção? E o plano B? Simplesmente não tem! E ainda chamam de "Livre" !!!!

A decrepitude começa antes dos 60 para a maioria das pessoas. A gente vai aos poucos se deteriorando como uma fruta esquecida na geladeira. É um processo cujo avanço varia de pessoa para pessoa mas que é sempre gradual e irreversível. É esse processo que chamo de feio. E quando falo em feio não me refiro ao culto da beleza, à vaidade que é a mola mestra da sociedade de consumo. Digo feio porque acho feio alguém ir perdendo tudo que tem aos poucos, como numa doença sem cura e sem esperança de cura. Acho feio, acho injusto, acho errado. Sei que é natural, sei que é inevitável. Mas é feio!

E não estou só reclamando dos meus seios caídos, das minhas celulites, dos meus quilos a mais... falo é da velhice que rouba tudo que a pessoa tem e teve, rouba a memória, a lucidez, o vigor, a saúde, a sanidade, o controle do próprio corpo até nos processos mais banais. Estou falando no geral! Não importa se eu sou uma adolescente ou uma velha de 100 anos: a velhice é um castigo tremendo e injusto pra TODO MUNDO! Não importa se sou amarga e suicida, ou feliz e de bem com a vida: a velhice é um castigo tremendo e injusto pra TODO MUNDO! Mesmo que eu morra jovem ou me mate, ainda assim o fato é que a velhice é um castigo tremendo e injusto pra TODO MUNDO! Mesmo você que acha que tem uma lista enorme de coisas bonitas e válidas na velhice (pra mim todas essas coisas são apenas aquelas que a velhice ainda não roubou), você não merece o castigo de perder a força física, a lucidez, a memória, a saúde. VOCÊ NÃO MERECE. NINGUÉM MERECE!

Quando vejo algum velho feliz eu sempre me pergunto se é de verdade. Muitas vezes descobri que não é. Muitas pessoas velhas estão felizes quando em grupo porque se sentem tão sozinhas na maior parte do tempo que quando conseguem estar em grupo demonstram uma alegria imensa, mas passageira, infelizmente. Muitas pessoas velhas mostram felicidade como fuga, é a maneira que encontram de não pensar, de mentir para si mesmas e para os outros para tentar acreditar na própria mentira. Já vi alguns desses dizerem coisas tocantes quando se desarmam um pouco. Há também velhos, e são muitos, que buscam na religião o refúgio de que precisam, esses não perdem um culto ou missa e aceitam com tremenda facilidade a promessa da vida melhor depois da morte porque quase toda a esperança dessa já se foi, sua vida geralmente se resume a ir à igreja e a receber a família e fazer planos e carinhos para os netos, deles mesmos não se lembram mais. Não é fácil ser feliz com doença, decrepitude, isolamento, solidão e essas coisas que, embora jovens e crianças também tenham, são mais freqüentes na velhice, são "marcas" da velhice.

Todo mundo fica achando que só pode ser feliz quem aceita o fato (pra mim a mentira) de que a velhice é bonita, é uma fase legal porque faz parte da vida... Nem vem com essa de que quem viveu bem vai ficar mais conformado por estar indo embora e curtir seus últimos dias! Essas mentiras que inventaram para consolar os coitados dos velhos são absurdas ao extremo!

Muitos dizem que devemos aceitar com sabedoria mais essa fase da vida. Acho que essa é a chave da discórdia. Para a maioria das pessoas, aceitar com sabedoria significa curtir ao máximo o que sobrar de juventude e dizer que isso é uma velhice de qualidade. Para mim aceitar com sabedoria é saber que o que ainda tem de bom no meu corpo e na minha vida é aquilo que a velhice não levou e, por não poder fazer outra coisa além disso, segurar o máximo que puder e aproveitar ao máximo cada fio de juventude que me restar.

E, por favor, que ninguém confunda isso com encher a cara de botox ou esticar a pele até virar plástico. Estou falando de curtir no sentido de aproveitar mesmo, viver, sorrir, amar, viajar... No final das contas fazemos exatamente a mesma coisa, apenas com uma visão oposta. Os resultados podem ser os mesmos, mas uma postura é mentirosa e ditada pelo medo enquanto a outra é mais sincera e racional. Nem preciso dizer que prefiro a segunda...

"Só quem adquiriu sabedoria consegue envelhecer com tranqüilidade." Acho que é meio o contrário. Quase todo mundo diz que vai envelhecer com tranqüilidade, ou com dignidade. Isso não demonstra sabedoria, demonstra desejo se você não é velho e demonstra negação se você já entrou nos "enta". Para mim sabedoria é ter coragem de assumir que tudo o que podemos ver de bom em uma pessoa velha é aquilo que ela, por vontade ou por sorte, ainda não perdeu da sua juventude. É saber que, se viver tempo suficiente, vai chegar um momento que até a vontade será uma característica da juventude roubada pela velhice e essa pessoa terá perdido tudo e morrerá. Todos nós vemos isso o tempo todo e mesmo assim negamos o fato. Isso não é sabedoria, é cultivar uma mentira!

"E o que seria de nós se não envelhecêssemos, se não diminuíssemos o ritmo para depois falecer? a vida seria insuportável sendo eterna, cheia de paixões desenfreadas e uma juventude interminável." Essa é outra mentira das grandes que de tanto serem ditas acabaram por se travestir de verdade! Se não diminuíssemos o ritmo seríamos todos mais produtivos e o mundo seria muito melhor, quantas coisas as pessoas fariam dos 60 aos 90 se ainda tivessem energia para isso? A vida não seria insuportável se durasse mais, isso é balela das grandes. Para quem gosta de viver e conhecer podemos fazer a pergunta: Quanto tempo alguém precisaria para ir a todos os lugares, aprender todas as línguas, ler todos os livros, praticar todas as artes, entender todas as culturas, conhecer todas as pessoas? Não vejo como isso possa ser insuportável.

O problema não é ser amarga, é ser verdadeira. Vou aproveitar ao máximo cada fiapo que me reste de juventude e vou segurar com muita garra cada brilho de energia que ainda tenha, mas em momento nenhum vou mentir e dizer que a velhice é coisa boa. Não há nada que eu possa fazer. A opção do suicídio não me atrai, eu queria que tivesse uma terceira, mas não tem e não posso fazer absolutamente nada quanto a isso, então tenho que envelhecer da melhor maneira possível, só. Pra mim é assim: Não dá pra mudar, não mudo, que mais posso fazer? É da natureza e não posso afetar a natureza a esse ponto, não afeto!

Enfim, não tenho como fazer absolutamente nada, e ninguém tem. A única coisa que posso fazer é escolher se vou viver ou se vou me matar, escolhi viver por várias razões, daí o que posso fazer é viver da melhor maneira que puder afetando para bem tudo aquilo que tenho poder de afetar. Não posso, com essa escolha, evitar a velhice. Então vou envelhecer, já estou envelhecendo, sou e vou ser enquanto conseguir, uma velha muito da espoleta! Vou amar até não poder mais, vou sorrir até não poder mais, vou andar, cantar, brincar, viajar, tudo isso até não poder mais. E, no que depender de mim, vai demorar bastante pra eu não poder mais! Mas... uma coisa eu me nego terminantemente a fazer: Não vou mentir pra mim mesma e dizer que a velhice é linda e que é uma maravilha ser velha, ah, isso eu não vou mesmo! Não posso evitar a velhice, mas me recuso a mentir sobre ela! Posso ser impotente, mas não vou ser mentirosa!

Minha postura é derrotista? Não, pelo contrário! Ninguém precisa ficar amargo, triste e deprimido porque tem coragem de encarar um fato. Todos têm medo e quase todos têm medo da velhice, se não fosse por esse medo não teriam cunhado falsas expressões do tipo: "É preciso cultivar uma velhice saudável", "Todos podemos envelhecer com dignidade", "O importante é manter o espírito jovem"; e a campeã de todas as balelas que já ouvi sobre o assunto: "Melhor idade". Não fosse o medo as expressões seriam verdadeiras do tipo: "A velhice é um horror, por isso vou segurar com força e enquanto puder o que me restar de juventude no corpo e na mente."

Justamente pelo fato de achar que sofremos uma tremenda injustiça da vida é que eu quero e vou tirar mais proveito dela! Será que todo mundo só consegue achar que se alguém não concorda com o mundo Pollyana tem que obrigatoriamente ser alguém amargo e infeliz? Um dia meus netos vão me usar como exemplo e vão citar de mim as coisas que a velhice demorar mais pra me roubar, e meu ânimo pra brigar contra a apatia vai ser o último a cair!

Acho a velhice muito feia, tão feia que quero adiá-la o máximo que puder! Ela é a doença incurável que rouba tudo, a única coisa que nos resta a fazer é não entregar nada! Ser feliz com o que a velhice ainda não levou e segurar essas coisas com garra! Se ela vai roubar tudo que tenho e se isso é inevitável, tudo bem, mas eu posso e vou resistir ao máximo! Só não vou, e não entendo que as pessoas façam isso, mentir para mim mesma e dizer que esse roubo é bom!

- Divina de Jesus Scarpim é professora, natural de Monte Aprazível, Estado de São Paulo, mora em Resende, casada, mãe, adora ler, é rabiscadora em tempo livre, odeia falta de educação, não entende de religião e é chocólatra assumida.

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Relação de sites desta postagem:

Blog da Divina de Jesus Scarpim
http://vida-cadela.blogspot.com/2008/01/desmistificando-velhice.html

Blog da Nice Pinheiro
http://nicepinheiro.blogspot.com/2008/02/arte-de-envelhergisela-rao.html
http://nicepinheiro.blogspot.com/2008/02/arte-de-envelhecer-nice-pinheiro.html

Endereços no Site Oficial de Resende, onde as duas últimas crônicas também foram publicadas:
http://www.resende.com.br/1667/arte-de-envelhergisela-rao/
http://www.resende.com.br/1685/arte-de-envelhecer-nice-pinheiro/

I bibida prus músicus!

2 comentários:

Luiz Vicente Marques disse...

Poxa cara, agora é que eu consegui enxergar melhor, tudo o que vem acontecendo comigo após entrar na idade dos "enta". Realmente a gente entra numa fase de perder aos poucos tudo o que éramos antes (isto no campo físico), porém,no campo emocional há grandes ganhos, tais quais os amores pelos filhos que geramos, os netos, o amadurecimento do amor pela minha companheira de anos (que escolhi a dedo - e me dei bem-). Agora, após descobrir esta realidade, que o envelhecimento é realmente triste, vou aproveitar e meter o pé na estrada para aproveitar o máximo possível a vida que ainda me resta, antes que a velhice não me permita mais viver com prazer.

Um abração do seu amigo e ADMIRADOR.

Norival R. Duarte disse...

Isso mesmo, Luiz! Tem que ser, como diz a Divina Scarpim, a autora do texto principal: devemos aproveitar qualquer vestígio de juventude que ainda nos sóbre (verbo sobrar, mesmo!) e viver plenamente os momentos que isso nos proporcione. E, se possível, extravasando nossos limites físicos.

Obrigado pela visita ao meu blog, por esse belo comentário, apareça sempre e receba um grande abraço deste seu amigo.