sábado, 28 de novembro de 2009

O Milagre da Anestesia

O ano era 1846.

Estava em curso um inverno como há muito não se abatia sobre aquela cidade norte- americana.

Na ante-sala daquilo que na época era denominado centro cirúrgico, John Pers tremia, muito mais de medo do que de frio.

Sua companheira de várias semanas era uma dor de dente insuportável, já nem conseguia localizar onde doía mais, queria arrancar com as próprias mãos o lado esquerdo do rosto.

E por não dormir mais, não se alimentar mais, não viver para nada exceto para a dor, tinha concordado em se submeter à extração dentária.

Sabia o que o esperava.

Já havia assistido a algumas sessões daquele tipo específico de tortura, sentado naquele anfiteatro.

Naquela época, o cirurgião dentista se tornava renomado pela velocidade com que trabalhava, não importando se extraía um dente e destruía alguns outros ao redor. Afinal, a extração era a única opção: quando o dente adoecia, não havia nenhuma forma de tratamento.

No centro cirúrgico tudo tinha que acontecer rapidamente, ninguém poderia suportar aquilo por mais do que algumas frações de segundo. Mesmo amarrado na mesa cirúrgica, mesmo com quantidades de álcool no sangue suficientes para adormecer um boi, o paciente, já meio enlouquecido pela dor crônica de dias ou meses, era capaz de lançar longe seu algoz, com ou sem a causa da dor presa no boticão primitivo.

Mas, naquele dia daquele ano de 1846, Pers e o restante da humanidade, sem saberem, estavam caminhando sobre uma das interfaces do destino.

Alguns meses antes, durante a exibição de um grupo circense que utilizava o gás hilariante em pessoas da platéia, o dentista Horace Wells se encheu de coragem, subiu ao palco, inalou o gás e saiu pulando e rindo, pouco se importando - porque estava sob o efeito do produto químico - de que todos riam dele.

Ao passar o efeito do gás, Wells desceu as escadas, driblando os sorrisos marotos, desconfiado de que fizera alguma coisa estranha ao seu sempre discreto comportamento. Evitou olhar para sua jovem esposa que, assustada, apontava para a perna do seu marido. A calça estava encharcada de sangue e sob ela havia um grande ferimento na pele. Wells imediatamente correlacionou causa e efeito. Sob a ação do gás, não sentira dor, apesar do feio corte em sua canela.

Pers entra no centro cirúrgico, gemendo de dor e de medo, tentando controlar a agitação de suas pernas, que querem levá-lo para fora de lá.

Não dá mais tempo!

É amarrado na mesa e dois homens fortes o seguram. Pers se agarra na beirada da cama e o cirurgião dentista se aproxima com seu paletó preto cheirando a sangue e pus (naquela época, quanto mais sujo de sangue e pus estivesse o paletó, mais experiente e procurado era o cirurgião).

Ele abre a boca de Pers, olha a cavidade escura, adivinha onde estão os dentes podres, pega o boticão. Pers não consegue se mexer, o pavor o mantém paralisado, quase não são necessárias as quatro mãos de aço que o imobilizam.

O cirurgião se dirige à platéia: - Temos hoje aqui um jovem dentista que insiste em demonstrar uma técnica a qual, diz ele, vai me permitir extrair os dentes deste cavalheiro, sem dor. Todos sabem como gosto de me divertir, principalmente quando inventam absurdos. Vamos ver qual o artifício usado pelo colega.

E virando-se para Wells, disse: - O paciente é seu!

Wells olhou para Pers, que abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada.

- Você quer extrair seus dentes sem dor?

Pers só conseguiu piscar seus olhos muito arregalados, o que podia ser sim, como podia ser não.

Nada mais podia se mover em seu corpo, exceto os olhos!

Wells se aproximou e fez com que Pers inalasse o gás. Pers fechou os olhos.

Wells se afastou, o cirurgião se aproximou, abriu novamente a boca do paciente, prendeu o boticão no primeiro dente e puxou.

Silêncio.

O cirurgião prendeu o boticão no segundo dente e puxou.

Nada.

O cirurgião disse: - Senhores, este homem não está morto, isto não é uma farsa.

Sabemos que, pela primeira vez na história da humanidade, dentes foram extraídos sem dor. Não sabemos se Pers sobreviveu à falta de assepsia, à hemorragia ou ao choque pós-operatório.

Mas dor, naquele momento, com certeza não sentiu.

A homens como Wells devemos os grandes avanços da ciência. Seres como ele modificam o mundo, porque identificam, no momento do acontecimento, as suas correlações e conseguem ajustar as peças do puzzle que cria os novos conhecimentos.

Hoje, apesar de ainda existir muita adrenalina circulando na cadeira do dentista, podemos nos considerar privilegiados.

Bastaria para Pers uma escova de cerdas macias, um fio dental, o flúor e algumas pitadas de disciplina e amor próprio e ele não teria sofrido tanto.

Se ele estivesse neste século, é claro!

Obs: estes fatos são verdadeiros. No entanto, foram cometidas algumas licenças históricas para contarmos esta história. Na verdade, Wells realmente descobriu a anestesia, mas, na primeira vez que foi utilizá-la, tudo deu errado. O paciente era muito gordo, Wells ainda não conhecia bem o gás e utilizou pouca quantidade do anestésico, o homem gritou muito e todos os médicos e dentistas, presentes no anfiteatro, riram dele.

A partir desta data, Wells passou a cometer delitos e se suicidou em uma cadeia em Nova York.

Nem tudo pode ser perfeito.

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Fonte: Do site RHVIDA, que você pode acessar clicando aqui.

- I bibida prus músicus!

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