Cedim, cedim, fui à padaria hoje cedo (Ops!). Caminhando, como sempre, saí da minha rua e dobrei à direita, adentrando na Uol Street de Resende. Logo de cara, dou de cara com uma peãozada, que aguardava o ônibus que os levaria pras obras da Votorantin. Um monte de homens, na maioria relativamente jovens, vindos de todos os cantos do Brasil, e que aqui encontraram trabalho, carteira assinada e esperança de que essa assinatura permaneça sozinha por muito tempo na página desse novo emprego, porque, abaixo dessa assinatura, existe outro local, desconjurado, amaldiçoado, mas que está lá, não preenchido, em branco, para, talvez, a repetição da mesma assinatura do funcionário da mesma empresa: na demissão.
Vão todos uniformizados, de certa forma: as calças, próprias, como num festival, em todas as cores, imperando aquela de estilo americano, de brim grosso, azul desbotado, aqui e ali com uma sujeira de barro ou a marca de uma ferrugem de algum tubo de ferro arrastado sabe-se lá de onde pra onde; todos com um jaleco amarelo, cor da segurança, com o emblema da empresa pintado em silk-screen nas costas; e, ainda, todos calçados com botas de borracha, de cano longo, preta.
Que tenham um bom dia e que as forças do universo os protejam, rogo no meu caminhar silencioso. Em obras como essa acontecem muitos acidentes. Todo cuidado é pouco!
Continuo andando, me aproximo de uma parada de ônibus. Mais gente indo pro trabalho, algumas esperando sentadas, outras em pé, outras simplesmente passando, indo, vindo... mas o que é aquilo no meio delas? Uma mulher na faixa dos 30 anos, penteadinha, toda pintadinha, bunitinha, gostosinha, tesãozinha, com uma bolsa de napa preta, onde seguramente caberiam folgados dois Aurélios, de saia creme e uma bluzinha na mesma cor, bem arrumadinha... calçando um par daquelas botas de borracha dos peões vistos há pouco, apenas mais curtas e na cor azul?
Ora, véio safado! Deve estar indo diretamente pro trampo, lavar alguma varanda, escadaria, isso não é da sua conta, cuida da sua vida!
O tempo passa, o tempo passa, dá 13:30. Estou vendo o Jornal da Tarde, da Globo. Abre-se uma nova matéria e a apresentadora, aquela moça simpática lá de Brasília, começa o seu blá-blá-bla... “- Em Nova York as mulheres lançaram como última novidade no seu cotidiano...” e o que se apresenta a seguir são vários pares de pernas caminhando juntas, todas ostentando como calçados a mesma indumentária, nada mais, nada menos do que... botas, que agora passaremos a chamar de galochas! Do mesmo tipo daquelas usadas pelos peões!
Isso mesmo, gente! Galochas de peão, de borracha. Como a daquela moça que vi no ponto de ônibus. E mais: pintadas e decoradas com os motivos e cores os mais variados. E a porra da moda já chegou ao Brasil. Não sei se em Resende, já que estamos muito longe da civilização dos grandes centros.
A reportagem foi mais longe, foi parar em São Paulo que, para quem não conhece ou não tem noção de onde fica, basta pegar a Dutra e, ao invés de ir pro Rio, virar a 180 graus, isto é, se ia pro Rio, voltar pela outra pista e ir em frente, até chegar em São Paulo. Não se preocupe se, como jacu papagoiaba, nunca esteve lá! Você achará a cidade com relativa facilidade, dado o grande número de placas que indicam a sua aproximação e localização. Lá tem mais placas e faróis de trânsito do que em Resende, pode crer, amizade! Mas cuidado! Se bobear, poderá parar em Curitiba que, afinal, também é uma grande parada, sem trocadilho.
E lá em São Paulo, uma repórter, ao entrevistar a gerenta de uma loja num grande shopping center, uma dona meio gorduchela, uma coisa assim, como diria... uma coisa assim como umas três Xuxas coladinhas uma na outra, mas muito simpática (Afinal, qual pessoa gorda que não é simpática. Apontem-me uma! Só uma!), que, em seus desvarios pelos 15 minutos de fama, e gesticulando tanto com os braços que parecia estar querendo alçar vôo e sair pelos ares, à procura do padre Aderli de Carli, colocou-nos a par daquela novidade, a transformação das galochas em artigo cult de última moda, pintadas, decoradas, com pircings, lacinhos e mais algumas tralhas do escambau.
Falou das vantagens, do fato de serem forradas (A dos peões sempre o foram!), dos cuidados, da higiene, da combinação com as outras vestimentas, enfim, tudo muito simples, sem complicaduras. Foi um verdadeiro tratado, completo, sobre essa nova moda que, segundo o meu ponto de vista – o esquerdo, porque do direito sou cego– tem tudo pra pegar.
Sempre consideradas como uniformes de equipes de limpeza, item de segurança no trabalho ou dia chuvoso, as botas de borracha ganharam status fashion e viraram febre em Nova York, Londres, Paris e outros lugarezinhos menos pitorescos.
Alguns estilistas “combinam a galocha a vestidos e meia-calça”, dizendo que “fica bonito o contraponto da delicadeza do vestido com o plástico mais pesado da galocha”, conta Olívia Hanssen, responsável pelo blog Oh!. “A idéia é justamente mostrar as galochas, que estão supercoloridas. Uma alternativa para os dias mais frios são as leggings e catsuits, coladinhos ao corpo”. “Shorts, macaquinhos e saias também são uma boa pedida para acompanhar o calçado, de preferência sem meia aparente. Quem quiser fazer a combinação com calça deve tomar alguns cuidados. Tem de usar por cima calça mais sequinha. Com a boca larga fica ruim”, sugere Olívia.
Acredito que por ser prática e econômica, tem tudo para se transformar numa moda universal, podendo serem fabricadas em qualquer fundo de quintal.
Filosoficamente, isso mesmo, filosoficamente entra também neste papo, tem um perfil social altamente nivelador, porque mostra a inclusão – essa palavra tão em voga - de camadas menos favorecidas em desfrutar de algo novo e moderno que as camadas mais favorecidas usam, que iguala a Dona Maria, faxineira, que não tem carro nem casa própria, à Doutora Maria, que tem dois carros, uma casa na cidade, outra em Angra dos Reis e um apartamento no Rio, quando as duas usarem o mesmo par de botas, comprado na mesma sapataria, pelo mesmo preço.
Nessa o Lula não pensou! Mas a Dilma, experta como ela é, dará uma mexidinha nos panos, como incluir no Bolsa Família o fornecimento de um par de galochas por mês. Assim, no decorrer de algum tempo, toda a família poderá sair pra missa envergando os mais variados tipos de acabamento pras galochas. Pode-se até pensar num desenho único, indicando o clã familiar. Já pensaram na paisagem desse família? Todos calçadinhos de galochas!
Mesmo sendo um pouco desconfortável, é muito, mas muito econômica, porque substitui salto alto, saltinho, sapatos, sandálias e outros apetrechos para os pés. Nunca mais a dúvida sobre qual sapato usar para ir a algum lugar. Tá na dúvida? Bota a bota! A Imelda Marcos deve estar roendo algum dos seus 3.000 sapatos de tanta réiva. Os donos de sapataria que se cuidem: pra descompensar a venda do que era tradicional, incluam as botas, ou galochas, como queiram, em suas prateleiras femininas, com dezenas de modelos de pintura e acabamento. Coloquem à venda também modelos populares, sem pintura ou acabamento nenhum, que poderão ser perfeitamente executados pela própria compradora ou por algum profissional especializado que, se ainda não existe, não demora para algum aparecer com a sua barraquinha no calçadão.
E a não duvidar muito, já, já estaremos vendo aqueles marmanjos enchendo a cara lá no Cospe Grosso, calçados tranqüilamente com as suas botas de serviço. Why not?
Gostei da moda, congratulo-me com as mulheres que, por incrível que apareça, tiveram essa idéia e-s-p-e-t-a-c-u-l-a-r, e não dou garantias de que não me tornarei um véio safado e ficar fazendo fiu-fiu praquelas com quem eu cruzar e que estiverem usando as suas galochinhas. Vou comprar uma do Fluminense pra minha mulher. Ou será melhor aquela com o tema Girassóis, copiado diretamente do quadro do mestre Van Gogh?
Finalmente, a minha conclusão sobre tudo o que escrevi acima:
- Desta vez, as mulheres chutaram o pau da barraca, definitivamente! Eita!
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